Hoje, 29 de janeiro de 2014, entra em vigor a nova Lei Anticorrupção. A novidade foi pauta dos maiores veículos de comunicação em todo o Brasil.
O Leite, Tosto e Barros concedeu entrevistas sobre o tema para o Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo. Além disso, o sócio fundador do escritório, Zanon Barros, preparou artigo sobre a nova lei e a responsabilidade solidária de sociedades coligadas ou consorciadas, aspecto também muito importante e ainda pouco abordado pela imprensa.
Confira os textos citados na íntegra abaixo:
Estado de S.Paulo (29 de janeiro de 2014)
Especialistas apontam avanços e problemas da nova Lei Anticorrupção
Advogados e juristas da área do Direito Empresarial consideram que a Lei Anticorrupção, que entra em vigor nesta quarta feira, 29, promove avanços no modelo de combate aos malfeitos com recursos públicos, mas também criticam alguns pontos do texto.
De acordo com o especialista em Direito Empresarial Zanon de Paula Barros, sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, a nova lei tem bons propósitos, mas, “mostra-se extremamente perigosa ao estabelecer solidariedade entre pessoas jurídicas coligadas”. Para ele, a Lei Anticorrupção “mostra-se iníqua quando responsabiliza por solidariedade as pessoas jurídicas coligadas, e não é suficientemente clara quanto à responsabilidade solidária das consorciadas”.
Para Zanon de Barros, lei tem bons propósitos, mas mostra-se perigosa.
Para o criminalista Marcelo Leal, sócio do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, “a Lei Anticorrupção pode gerar insegurança jurídica na medida em que o processo administrativo será decidido pela autoridade máxima do órgão que o instaurou, cargo normalmente ocupado por pessoas nomeadas politicamente”.
Na avaliação de Leal, existe risco de que a lei seja usada para atender interesses políticos ou corporativos. “Como existe um alto grau de subjetividade na definição do ato de corrupção, a autoridade responsável pelo julgamento pode ‘aliviar’ para um aliado político ou forçar a condenação de um inimigo. O mais curioso é que a própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico alerta que quanto maior a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa, maior a chance da prática de corrupção. Ou seja, a lei que foi criada para combater a corrupção traz em seu bojo o próprio germe daquilo que pretende coibir”, alerta.
Segundo o advogado Bernardo Rocha de Almeida, especialista em compliance e sócio do Marcelo Tostes Advogados, a legislação inova ao responsabilizar objetivamente a pessoa jurídica envolvida no ato ilegal ou lesivo, independentemente da responsabilização de seus dirigentes ou administradores.
Ele explica que a empresa pode ser responsabilizada administrativa e judicialmente. “No âmbito administrativo, além da multa que pode chegar a 20% do faturamento bruto do último exercício, a empresa poderá arcar com os custos da publicação da decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação, em sítio eletrônico, além de ter que afixá-la no local de exercício de sua atividade, de modo visível ao público – o que prejudicará sua imagem”.
Bernardo Rocha de Almeida considera que a legislação inova ao responsabilizar pessoa jurídica independente de seus dirigentes
Bernardo de Almeida observa que, judicialmente, a empresa pode ter confisco de bens, direitos, valores, incentivos e subsídios, suspensão ou interdição parcial de suas atividades e, até mesmo, dissolução compulsória de sua personalidade jurídica.
Outro advogado especializado em Direito Empresarial, Luiz Lara, sócio da PLKC Advogados, destaca que a nova lei abre a possibilidade de uma empresa infratora firmar acordo de leniência com as autoridades, permitindo-lhe significativa redução das penas, na medida em que cumpra certos requisitos – por exemplo, manifestando-se preliminarmente a qualquer outra iniciativa ou denúncia por parte das autoridades ou de terceiros e cessando completamente as práticas lesivas.
Em relação à responsabilidade objetiva imposta às empresas, Lara adverte que por esse princípio “nada importa se a empresa se beneficiou ou não do ato lesivo, nem tampouco se não houve dolo, bastando provar que a corrupção existiu para que haja punição. Caberá, assim, punição à empresa, mesmo que um funcionário tenha agido sem autorização de seus superiores”.
Luiz Lara ressalta as novas possibilidades de acordo de leniência das empresas.
Para o especialista em Direito Administrativo Rodrigo da Fonseca Chauvet, sócio do Trigueiro Fontes Advogados, se a Lei Anticorrupção “sair do papel”, as empresas serão, mais do que nunca, fiscalizadas e responsabilizadas pelos prejuízos causados à administração pública. “Quanto a isso, apesar de algumas nuances dignas de crítica, tal como a previsão de que, no âmbito da União, um único órgão (a Controladoria Geral da União) irá instaurar, conduzir e julgar o processo administrativo, merece aplausos a nova norma”, diz.
Chauvet lembra, porém, que simultaneamente à nova legislação, é necessária uma mudança brusca e contínua de postura da administração pública no que tange à fiscalização e penalização de seus agentes – políticos, técnicos, gestores etc.- quando tiverem a sua responsabilidade comprovada em relação aos atos lesivos que praticarem.
Rodrigo Chauvet acredita que, com nova lei, empresas serão mais fiscalizadas e responsabilizadas do que nunca.
Folha de S.Paulo (29 de janeiro de 2014)
Companhias desconhecem detalhes de regra
A Lei Anticorrupção, que entra em vigor hoje, motivou em empresas a procura por escritórios de advocacia para obter informações sobre a norma. Pesquisa da consultoria KPMG com 80 companhias brasileiras de grande porte mostra que 80% delas não conhecem bem a nova lei.
A norma determina que empresas sejam responsabilizadas por atos de corrupção praticados em seu benefício. Bastam, para isso, provas de que houve corrupção no âmbito das companhias.
“Na legislação atual, a empresa precisa participar do ato ou se omitir muito, além de ser beneficiada por ele. Amanhã, com a simples existência de um ato de corrupção, independentemente de ter sido praticado por um ou outro funcionário, a empresa será responsabilizada”, diz Eduardo Nobre, do escritório Leite Tosto e Barros Advogados.
Segundo Nobre, as companhias deverão ter mais cuidado ao contratar funcionários e terceirizados e também ao adquirir outras empresas, já que responderão por ações praticadas por elas. A multa prevista pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto.
Maria Ridolfo, do escritório Miguel Neto Advogados, aponta que grande parte das empresas brasileiras não tem códigos internos de conduta. A maioria das que têm traduz textos de outros países.
Há dificuldade também no treinamento de funcionários. Sylvia Urquiza, do escritório Urquiza Pimentel e Fonti Advogados, avalia que más práticas estão arraigadas em muitas empresas.
Artigo Zanon Barros (29 de janeiro de 2014)
Lei anticorrupção e responsabilidade solidária de sociedades coligadas ou consorciadas
Entra em vigor, o dia 29 de janeiro, a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe “sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências”.
A Lei tem evidentemente bons propósitos, mas, como já diz a sabedoria popular, de boas intenções o inferno está cheio e o perigo está no estabelecimento da solidariedade entre pessoas jurídicas, prevista no § 2º, do art. 4º. Ali a Lei mostra-se iníqua, quando responsabiliza por solidariedade as pessoas jurídicas coligadas e não é suficientemente clara quanto à responsabilidade solidária das consorciadas.
A definição de sociedades coligadas encontra-se no art. 243, § 1º, da Lei 6.404/76 e no art. 1.099 do Código Civil Brasileiro. As duas normas dão conceitos distintos e coube à Lei n. 11.941/2009 explicitar o alcance de cada uma delas.
Lei n. 6.404/76:
Art. 243.
§ 1º. São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa.
§ 4º Considera-se que há influência significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la.
§ 5o É presumida influência significativa quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la.
Código Civil Brasileiro:
Art. 1.099. Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.
Veja-se então a seguinte situação: uma sociedade anônima é responsabilizada por ato praticado no seu interesse, lesivo à Administração Pública, e essa sociedade não está em boa situação econômico-financeira. Entretanto, essa sociedade tem em seu patrimônio 20 % do capital votante de outra sociedade anônima que, assim, por definição legal, é sua coligada. Ocorre que esse capital foi adquirido em bolsa de valores, como investimento e sua titular não faz parte do bloco de controle da coligada nem tem com ela acordo de acionistas. A única relação entre elas acontece no dia da AGO da coligada, quando lá aparece o advogado da investidora apenas para ter a confirmação de que está tudo em ordem e o valor dos dividendos que caberão ao seu cliente. Pois bem, pela letra da Lei, por estar em boa situação econômico-financeira e ser coligada daquela interessada no ato acoimado de lesivo, a sociedade onde outra detém 20 % do capital correrá o sério risco de ter de pagar as penalidades impostas à investidora, embora não tivesse meios de impedir aquele ato e nem de longe tivesse qualquer interesse nele, só tomando conhecimento de sua existência quando lhe chegasse a salgada conta.
Pelo Código Civil essa participação de investimento pode ser menor ainda. Se uma sociedade não anônima participa com apenas 10 % do capital social de outra elas já são coligadas, independentemente da existência de alguma influência entre elas.
Isto não faz qualquer sentido. Entende-se que na relação entre controladoras e controladas existe, em razão do vínculo de controle, um interesse comum nos atos de umas e de outras, inclusive quando o controle é compartilhado por meio de acordo de acionistas, mesmo que não façam parte, formalmente, de um grupo de sociedades. Já no caso das coligadas teria que ser provada a existência desse interesse comum, especialmente se a coligação for presumida, como previsto no § 5º, do art. 243, da Lei 6.404/76 e na hipótese do Código Civil.
Quanto às consorciadas o problema está na redação do § 2º, do art. 4º, que diz que as consorciadas, “no âmbito do respectivo contrato”, são solidárias na responsabilidade pela prática dos atos previstos na Lei em questão. A expressão “no âmbito do respectivo contrato” é vaga podendo dar origem a interpretações diversas. Melhor teria sido dizer-se que “as sociedades consorciadas serão solidariamente responsáveis por atos previstos nesta Lei, praticados no interesse ou benefício do consórcio”.
Nos termos do art. 278, da Lei 6.404/76, o consórcio é apenas a junção temporária de duas ou mais sociedades de qualquer tipo para executar determinado empreendimento. Essas sociedades não precisam ter qualquer outro interesse comum além daquele empreendimento específico. Comumente não têm qualquer vínculo societário entre elas e não participam de decisões umas das outras. Além disto, o consórcio, por determinação legal, não tem personalidade jurídica. Como poderia uma das consorciadas ser responsável objetivamente por ato da outra que não tivesse sido em benefício do consórcio ou no seu interesse? Cada uma das consorciadas não tem poder nem direito de participar nem mesmo de fiscalizar qualquer ato da outra que não esteja vinculado às obrigações e direitos do contrato de consórcio. Estabelecer-se solidariedade por ato desvinculado dos interesses do consórcio seria parecido com estabelecer-se solidariedade em responsabilidade objetiva ao proprietário de um imóvel pelo dano ambiental ocorrido em uma propriedade vizinha apenas pelo fato de ambas terem uma cerca comum.
Estabelecer-se responsabilidade solidária, para sociedade coligada ou consorciada, por ato lesivo à administração pública, que não tenha sido praticado por agente seu nem se evidencie ser de seu interesse, fere de morte o princípio da razoabilidade e, por certo, essa solidariedade não será reconhecida por nossos tribunais.
Autor: Zanon de Paula Barros, sócio do escritório Leite, Tosto e Barros