Justiça bloqueia contas com base em listas de devedores
Em polêmica decisão, juiz do Ceará aceitou pedido de penhora apenas com prova que inscrições no SPC e Serasa prejudicariam pagemtno de dívida
São Paulo
A Justiça do Ceará, em decisão incomum, concedeu liminar e bloqueou as contas bancárias de uma empreiteira inadimplente baseando-se apenas no fato de ela ter diversas inscrições e protestos em órgãos de proteção ao crédito, como SPC e Serasa. O pedido foi feito por uma empresa que aluga máquinas pesadas para a construção civil contra uma prestadora de serviços contratada pela Termoelétrica MPX Pecém para construir uma subestação elétrica no local, pertencente ao Município de São Gonçalo.
Em determinado momento, a empreiteira deixou de efetuar o pagamento pelo fornecimento de equipamentos, dívida que hoje, corrigida, é de R$ 29,2 mil. Foram feitas tentativas de acordo, sem sucesso. A credora então fez pesquisas no SPC e Serasa e constatou uma série de inadimplências, protestos e reclamações.
Os valores devidos somariam mais de R$ 325 mil no total, montante que, segundo a empresa poderiam ser disputados judicialmente no futuro por muitos outros credores insatisfeitos. “É plenamente possível que todos os credores venham a ser prejudicados em razão da falta de lastro econômico nos cofres da empresa”, diz a autora da ação, que incluiu no pedido a inscrição da devedora na lista.
“Toda a peça foi fundamentada nesse fato: eles não vinham honrando o pagamento e estavam inadimplentes com várias outras empresas”, afirma a advogada Larissa Maia Nunes, do Furtado, Pragmácio Filho & Advogados Associados, responsável pela ação.
O risco, segundo ela, era de que o devedor abandonasse o local das obras, já em fase de finalização, deixando o prejuízo. Assim, foi pedido que o crédito fosse garantido imediatamente, daí o pedido de tutela antecipada na ação monitória. “Não sabemos se ela teria no futuro falência decretada por conta dos débitos, situação em que diversos credores se habilitam e há ordem de preferência de pagamentos”, diz a advogada.
Na ação, a empresa afirmou que “é de conhecimento público a comprometida idoneidade financeira” da empresa por conta das inúmeras inscrições em listas de devedores. O juiz Fábio Medeiros de Andrade, titular da Vara Única do Fórum de São Gonçalo do Amarante, concordou com o argumento e deferiu o bloqueio antecipado. “No último mês a empresa requerida passou a receber vários protestos, demonstrando, desta forma, a sua fragilidade financeira”, afirmou.
O dinheiro, encontrado, foi bloqueado na conta da empresa e será transferido para uma conta judicial. Cabem recursos e o mérito da ação ainda será julgado. Se ao fim processo for confirmado o pagamento, a credora tem um título e entra com execução.
O advogado Eduardo Arruda Alvim, do Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia, afirma que o dinheiro, neste momento, é apenas bloqueado para garantia da dívida. “A medida concedida visa a apenas evitar que a empresa que ajuizou a monitória ganhe e não leve. A decisão, portanto, não é irreversível, mas provisória”, diz. Para ele, se a autora, porém, perder a ação, o bloqueio cairá e ela pode ser responsabilizada pelos danos que o arresto tiver causado.
“Se o bloqueio, porém, comprometer a empresa (pagamento de funcionários), a tendência dos tribunais, em recurso, é ou cassar ou ao menos diminuir o bloqueio, reduzindo o impacto da medida”, completa Alvim.
Larissa Nunes defende que a tese é plenamente possível por configurar a inadimplência. “A decisão abre precedente para que em casos semelhantes os juízes aceitem os pedidos com base na inscrição”, afirma.
O advogado Charles Isidoro Gruenberg, do Leite, Tosto e Barros Advogados, no entanto, afirma que a decisão é absolutamente inusitada e incomum. O especialista explica que é possível que o juiz conceda liminar para garantir o resultado útil da ação. O Código de Processo Civil traz algumas situações específicas para que seja determinada a penhora, como a existência de fundado receio de o devedor estar-se desfazendo de seus bens sem ter outros para garantir a dívida.
“Somente a prova de dívidas no Serasa não diz muita coisa: a empresa pode ter outros bens ou ainda parte das inscrições serem irregulares. Não há provas de que o devedor não tinha bens”, afirma. Para Gruenberg, um conjunto probatório, como a transferência e venda de bens, outras execuções e a inscrição no Serasa montaria um quadro em que seria possível garantir o crédito.
“No caso, a empresa não tem o título, só vai ter se a ação for procedente, após recursos e trânsito em julgado. A penhora em contas foi determinada sem ter crédito constituído”, conclui. Para ele, o tipo de ação também não é adequado para conceder o bloqueio. “Ação monitória não é execução.”