Guerra de ações dá a assessores jurídicos status igual ao de marqueteiro
Julia Duailibi – O Estado de S.Paulo
A mais de três meses do início oficial da campanha para a Presidência da República, os principais adversários nas urnas, PT e PSDB, protagonizam uma “judicialização” do debate político, que tem pautado a retórica eleitoral deste ano. Em meio à guerra de representações, a coordenação jurídica dos candidatos ganhou peso e passou a ter status próximo ao dos marqueteiros.
A ofensiva jurídica levou o presidente do PT, José Eduardo Dutra, a se encontrar com o do PSDB, Sérgio Guerra, para discutirem eventual armistício, recentemente, em Brasília. A conversa não evoluiu e, nos últimos dias, o PSDB ingressou com ações não só contra o PT, mas também contra o instituto de pesquisa Sensus e o sindicato dos professores de São Paulo (Apeoesp), cuja presidência é ligada aos petistas.
Desde janeiro do ano passado, já foram impetradas pela oposição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 12 representações contra o PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff ? a maior parte relacionada à propaganda eleitoral antecipada. Duas resultaram em multas para Lula no valor total de R$ 15 mil.
O PT fez o contra-ataque na Justiça Eleitoral de São Paulo, base política do ex-governador José Serra, pré-candidato tucano ao Palácio do Planalto. No mês passado, o partido conseguiu suspender a veiculação de uma propaganda do PSDB na televisão, alegando que Serra fazia promoção pessoal ao falar no comercial sobre seguro desemprego.
“Hoje em dia um candidato nem precisa falar tão bem, mas precisa ter um bom advogado”, afirmou o especialista em direito eleitoral Eduardo Nobre. “Há uma tendência que vem crescendo de o coordenador jurídico ser cada vez mais importante. Um erro do marqueteiro causa um dano grande. Do advogado, pode ser fatal”, completou.
Os partidos já começaram a formar os times jurídicos. Do lado tucano, atuarão a equipe do advogado Ricardo Penteado em parceria com o escritório brasiliense de José Eduardo Alckmin. Os petistas calibram a equipe, que a princípio terá o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos como “consultor”. O cotado para gerente jurídico, responsável pela parte operacional, é Márcio Luiz Silva, que foi sócio de José Antonio Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-advogado do PT.
Costuma-se fechar um pacote eleitoral que, segundo o mercado, chega à dezena de milhões, O valor serve para bancar uma equipe com cerca de dez advogados, o contencioso jurídico e a consultoria estratégica. Também são submetidos aos advogados os programas de rádio e TV ? neste momento ocorrem as brigas com os marqueteiros que entram para o folclore eleitoral.
Além disso, os partidos têm advogados que trabalham nas demandas do dia a dia. O Estado apurou que fora de eleição esse custo é de cerca de R$ 40 mil.
Estratégia. O PSDB tem aproveitado para tentar colar no PT a pecha de partido que não cumpre a lei. Uma das estratégias de ataque é dizer que os petistas não só não cumprem a lei, como zombam da Justiça. Nos discursos de lançamento da pré-candidatura do PSDB, tanto Serra quanto FHC bateram na tecla.
O clima beligerante na pré-campanha deste ano ? a disputa só começa oficialmente em junho, depois das convenções ? ganhou contorno inédito, dizem advogados e especialistas em campanha eleitoral. Geralmente a fase mais “crítica” do embate jurídico só costuma acontecer durante a campanha eleitoral no rádio e na TV, a partir de agosto.
A eleição de 1996 para a Prefeitura paulistana é apontada como um marco na “judicialização”. Houve uma guerra nos tribunais, o que culminou em avalanche de direitos de respostas.
Para o advogado do PSDB, Ricardo Penteado, o maior problema é o uso da máquina pública. “Tenho impressão de que a oposição está usando o seu corpo jurídico para atacar a pré-candidata”, disse José Eduardo Martins Cardozo, um dos petistas responsáveis por montar o corpo jurídico da campanha. “Talvez estejam assustados.”
Para o procurador-regional eleitoral substituto, Pedro Barbosa Pereira Neto, é natural que a Justiça seja acionada com a proximidade da campanha. “Geralmente, o que tem mais no primeiro semestre são representações contra campanha antecipada, que acabam acarretando em multas para os partidos”, afirmou. / COLABOROU VERA ROSA
Site de Dilma terá ‘característica de blog’
A presidenciável Dilma Rousseff lança hoje um site pessoal, em encontro com blogueiros. Preocupada em não ferir a Lei Eleitoral, que proíbe propaganda antecipada de candidatos na internet, o comando da campanha petista consultou vários juristas, entre o quais Márcio Thomaz Bastos.
Dirigentes do PT afirmam que o site de Dilma terá “características de blog” e, por enquanto, não abrigará conteúdo eleitoral, tarefa quase impossível diante da dificuldade de controlar os internautas. O PT quer ter exército de 200 mil filiados na internet. O cálculo tem como referência os cadastrados na rede de e-mails do partido, que devem atuar como guerrilheiros da blogosfera, convencer o eleitor a votar em Dilma e rebater ataques contra ela.
Nos últimos dias, circularam na internet e-mails com as inscrições “Dilmata” e “Dilmentira”. “É inacreditável o rebaixamento político daqueles que querem atingir a imagem de Dilma”, disse o deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP). “Comportamentos dessa natureza só se justificam pelo desespero eleitoral e pela afirmação de que, para alguns, a disputa pelo poder é um vale tudo.” Para Cardozo, o tiro dos adversários sairá pela culatra. “Essa estratégia afasta mais eleitores do que ganha”, afirmou
Multas eleitorais superam R$ 220 mi
Maioria dessas autuações a candidatos e partidos foi parar na dívida ativa da União para cobrança judicial de inadimplentes
Silvia Amorim – O Estado de S.Paulo
O Brasil acumula uma dívida de R$ 220,9 milhões em multas eleitorais. São autuações feitas pela Justiça Eleitoral a candidatos e partidos, mas a maioria não foi quitada e, agora, faz parte da dívida ativa da União para cobrança judicial dos inadimplentes.
Os débitos não surpreendem apenas pelas cifras, que superam tudo o que distribuiu o fundo partidário no ano passado (R$ 211,2 milhões), mas pelo seu ritmo de crescimento. Nos últimos quatro anos, a dívida dobrou – na última eleição presidencial, em 2006, somava R$ 110 milhões.
Um agravante é que essa escalada ocorre ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral instituiu regras mais duras para tentar frear as infrações e a inadimplência. Uma resolução de 2004 proibiu, por exemplo, a partir de 2006 que candidatos com multas não quitadas participem das eleições. Hoje os devedores não obtêm o registro de candidatura.
Demora. Na época, um dos objetivos era “educar” os candidatos e partidos. Mas, como indicam os números, os candidatos não só continuam a cometer irregularidades, como o bolo de multas não pagas vem crescendo.
Outro motivo para o aumento dessa dívida é a demora na cobrança. Toda receita proveniente das multas é remetida ao Fundo Partidário. Em 2009, elas representaram 25% de todo o dinheiro distribuído às legendas.
Além de partidos e candidatos, estão na lista de devedores empresas e eleitores – estes multados por não votarem ou faltarem à convocação para trabalhar na eleição. Mas a maioria das multas aplicadas tem como causa propagandas irregulares por políticos ou partidos.
O estoque dessa dívida com a União foi levantado a pedido do Estado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O órgão é o responsável pela execução fiscal dos devedores. Mais detalhes sobre ela e seus devedores não foram informados.
No maior colégio eleitoral do País, diz o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, foram aplicadas entre 2006 e março deste ano R$ 2,1 milhões em multas. Até agora, um quarto desse valor já foi inscrito na dívida ativa da União por falta de pagamento. Têm esse destino apenas as multas cujos processos transitaram em julgado e são superiores a R$ 1 mil.
O procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, diz que as autuações contribuem para educar os candidatos e para uma eleição “mais limpa”. Mas ele acredita que, às vezes, a punição não intimida o infrator. “As multas deveriam ser mais altas, porque, às vezes, a infração acaba compensando”, afirmou. As punições para 2010 estão fixadas entre R$ 1 mil e 100 mil Ufirs (cerca de R$ 106 mil), dependendo da infração.
Outro fator que tem prejudicado, segundo juízes, um maior sucesso do caráter educativo das multas são as facilidades para a quitação do débito. As multas eleitorais passaram a ter um tratamento igual ao das dívidas tributárias. Ou seja, podem ser parceladas em até 60 meses. “Acho que o parcelamento deveria ser feito somente nos casos em que o devedor comprovadamente não tem condições de pagar a dívida. Caso contrário, vira um facilitador”, avaliou Gonçalves.
O Cartório de Execução Fiscal de Multas Eleitorais do TRE do Rio de Janeiro identificou artimanha política para driblar os débitos. “Há casos em que o candidato começa a pagar para regularizar sua situação e poder disputar eleições, mas interrompe o pagamento após obter o registro de candidatura”, conta a chefe do órgão, Regina Nascimento.