A área Tributária do Leite, Tosto e Barros publicou, no mês de julho, mais um artigo na newsletter de litigation do International Law Office (ILO).
O texto, assinado pelo sócio Fernando Vaisman e pelo advogado Guilherme Coelho, versa sobre a questão da guerra fiscal e a proposta de súmula vinculante nº 69.
Confira o texto na íntegra, já traduzido:
Guerra Fiscal e proposta de súmula vinculante n° 69 pelo Supremo Tribunal Federal – STF
As notícias informando a proximidade da edição de uma súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal – STF uniformizando o entendimento sobre a inconstitucionalidade da concessão de benefícios fiscais relativos ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS sem prévia aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, vêm tirando o sono dos empresários brasileiros, especialmente aqueles que nos últimos anos instalaram suas empresas ou abriram filais em alguns Estados aliciados por atrativos tributários.
Sobre o tema, vale lembrar que o ICMS, por tratar-se de tributo de abrangência nacional e do imposto mais importante dos Estados-Membros e do Distrito Federal, responsável pela maior parte da arrecadação tributária destes entes e incidente sobre qualquer operação relativa à circulação de mercadorias, uma alteração em seu regime, provoca uma grande mudança nas mais diversas relações jurídicas.
Aprovada a súmula nº 69 pelo STF, os Estados que se sentirem prejudicados, seja pela edição de leis concedendo benefícios fiscais por outros Estados da Federação, ou pela criação de leis que dispensavam o pagamento do tributo criadas pelo seu próprio poder legislativo, poderão, em tese, cobrar dos contribuintes os impostos não recolhidos desde o ano de 2008. Em outras palavras, diante deste novo cenário, duas hipóteses de cobrança supostamente surgiriam para as Fazendas Estaduais:
(i) a exigência dos valores que foram dispensados do contribuinte beneficiado pelo incentivo, nos termos do que determinava a legislação do próprio Estado;
(ii) a glosa dos créditos nos casos em que a mercadoria tenha se utilizado, no Estado de origem, de incentivos fiscais concedidos à revelia do Confaz, como, usualmente, vem ocorrendo.
Nesse sentido, vale lembrar, contudo, que, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, muito embora considera que os dispositivos legais que concedem benefícios fiscais sem a prévia ratificação de Convênio do CONFAZ nascem eivados de inconstitucionalidade, não chancela, em momento algum, a cobrança unilateral dos créditos de ICMS utilizados nestes casos.
No entender dos Ministros do STF, mesmo que a Constituição Federal seja clara ao determinar a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos sem a edição de Convênio, não possuem os Estados competência para julgar, eles próprios, a validade de lei promulgada por outro Estado. Assim, o Estado de destino das mercadorias não poderia glosar a apropriação de crédito de ICMS, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido, ao passo que as inconstitucionalidades não se compensam.
Por outro lado, o ponto de maior controvérsia reside no fato de que a aprovação da citada Súmula poderia ainda dar azo ao entendimento de que, sendo considerado todos os benefícios fiscais concedidos sem aprovação do CONFAZ inválidos, caberia aos Ministérios Públicos o ajuizamento de Ações Civis Públicas visando ressarcir os cofres de seus Estados nas situações da concessão de benefícios fiscais tidos por inconstitucionais. Ou seja, estariam os Ministérios Públicos Estaduais habilitados a pleitearem a reparação ao erário dos valores que deixaram de ser recolhidos em função da edição de lei tributária beneficiadora pelo próprio Estado.
Assim, as empresas que apenas cumpriram a lei, acreditando estarem resguardadas por aquela legislação, atuando na mais estrita boa-fé e ainda geraram incontáveis benefícios aos Estados onde se instalaram, como a geração de riquezas, empregos e desenvolvimento poderão sofrer uma dupla penalização, tanto no Estado de origem das mercadorias, com a cobrança dos valores dispensados nos termos do que determinava a legislação, como no Estado destinatário, com a glosa do crédito destacado em nota fiscal na proporção do benefício declarado inválido, sem se esquecer da repercussão penal que, eventualmente, poderá surgir pelo não recolhimento do tributo.
Conforme exposto, não se tem conhecimento do exato teor do enunciado que poderá ser aprovado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o seu alcance e nem ao menos os efeitos de sua edição; se valerá para todos os benefícios fiscais já concedidos sem a aprovação do CONFAZ ou apenas aos novos benefícios instituídos após a sua edição.
Por ora, somente é certa a enorme insegurança jurídica que a aprovação da Súmula Vinculante poderá ocasionar, com a consequente enxurrada de cobranças que serão promovidas pelos Estados, cabendo aos contribuintes se utilizarem de todos os meios de defesas administrativas e judiciais previstas em lei para proteção das suas operações que ocorreram observando a legislação vigente à época.
Fonte: newsletter de litigation do ILO (autores: Fernando Vaisman e Guilherme Coelho, do Leite, Tosto e Barros)