23/03/2012
Cidades Metrópole
Aparelho restrito e fiscalizado por Exército e Polícia Federal está disponível para usuários em site de compra livre
ATALY COSTA, WILLIAM CARDOSO
O Taser – aparelho cujos choques culminaram na morte do paulistano Roberto Laudisio Curti na Austrália – é facilmente encontrado em sites de compra e venda pela internet no Brasil. O produto, controlado pelo Exército, é de aquisição restrita a órgãos de segurança pública ou privada. O preço varia entre R$ 220 e R$ 500.
Em um dos anúncios, o vendedor explora o fato de a arma ser “muito usada pela polícia americana” e coloca fotos de policiais fardados segurando o Taser. Em outro, há uma ilustração de uma pessoa levando o choque – mas nunca é especificado que a arma pode ser letal. A eficiência do produto e a capacidade de atingir um alcance de até 5 metros também são alardeados.
Na maioria dos casos, os anúncios explicam que o produto não está disponível para entrega imediata e depende de importação. O valor do frete é de R$ 40 e, segundo os vendedores, a arma demora cerca de 35 dias para chegar à casa do comprador. Acessórios, como capa e cartuchos extras, também são negociados.
Muitos anúncios aproveitam o nome da marca Taser para vender outros aparelhos de choque, mais brandos e permitidos pela legislação. As armas proibidas são as que dão choque a distância – como a que foi usada contra Roberto na Austrália. As chamadas armas de choque elétrico “de contato”, que funcionam apenas quando encostadas na pele, não são de uso restrito.
O Exército brasileiro controla apenas as armas de pressão por ação de gás comprimido, que lançam dardos energizados a pequenas distâncias, como o Taser.
Segundo o Exército, três tipos de órgãos podem adquirir Tasers. Primeiro, os de segurança pública e Guardas Municipais, que compram diretamente no fabricante estrangeiro. Depois, empresas de segurança privada, com autorização da Polícia Federal e do Exército para importar esse tipo de arma, que não é fabricada no Brasil. Por último, outros órgãos públicos podem ser autorizados a comprar, de acordo com a necessidade.
A arma não pode ser vendida em nenhuma loja de comércio especializado, nem pela internet, a cidadãos comuns sem prévia autorização de autoridades.
Para o advogado criminalista Ademar Gomes, comprar e vender Taser configura conduta criminosa. “A pessoa pode ser indiciada criminalmente por vender ou possuir um produto proibido. É que nem droga, cujo comércio é proibido e a posse, em alguns casos, também”, afirma.
Vácuo legislativo. O fato de a arma não ser tipificada como letal nem ser arma de fogo dificulta, na opinião de outro especialista, a aplicação da lei.
“No meu ponto de vista, existe um vácuo legislativo em relação ao Taser. A Lei 10.826 de 2003, que trata do assunto, fala especialmente em arma de fogo, e o Taser não tem essa definição legal. Então não se encontra na atual legislação uma forma de enquadrar a aquisição dessa arma como crime”, explica o criminalista Maurício Silva Leite, do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados e presidente da Comissão de Cumprimento de Penas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
A maioria dos anúncios de venda dos Tasers vem do site MercadoLivre.com e são de vendedores de todo o Brasil, principalmente de Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná.
A Assessoria de Imprensa do site afirma que o uso desse tipo de arma de choque com efeito paralisante a distância tem venda proibida no Brasil. “Ao ser identificados anúncios com o produto em questão, o Mercado Livre se reserva o direito de retirar imediatamente a oferta do ar, bem como inabilitar o usuário”, informa a nota.
Também é possível pelo próprio site denunciar quem está vendendo produtos ilegais.
Jundiaí adotou arma, já usada por várias GCMs
O uso do Taser tornou-se comum por policiais e guardas-civis em diversas cidades do Brasil. De Uberaba, em Minas, a São João do Meriti, no Rio, passando por capitais como Salvador e Goiânia, há agentes de segurança pública paramentados com a arma de choque. Recentemente, a polícia de Jundiaí, no interior de São Paulo, também incorporou o equipamento.
Segundo o diretor do Departamento de Identificação e Registros Diversos (Dird), da Polícia Civil de São Paulo, Aldo Galiano Junior,o que acontece é que esse tipo de arma acaba entrando no Brasil também de maneira ilegal. “Seguranças privados clandestinos, que não pertencem a nenhuma empresa ou órgão autorizado, viajam para o exterior de maneira independente e trazem a arma”, afirma Galiano.“Isso acaba fugindo do controle da polícia e até do Exército.” Galiano diz que a venda de armas de choque que dão descargas a distância é proibida e a polícia vai investigar a venda por sites na internet.
Cursos. A Força Nacional de Segurança já faz uso desse tipo de armamento em suas operações, mas não informa quantas armas possui.O órgão federal também dá cursos para guardas municipais sobre o uso do Taser em todo o País. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) faz doação da arma para órgãos estaduais. Os 715 Tasers da Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, foram doados pelo governo federal.
A polícia explica que o uso por seus agentes e indicado especialmente em tentativas de suicídio ou ocorrência onde há reféns, por ser uma alternativa de intervenção nãol etal. Apenas um policial usa o Taser durante a ocorrência e, quando necessário, faz um único disparo.
O modelo em uso em São Paulo é capaz de provocar incapacidade neuromuscular por cerca de três segundos, por meio de uma descarga de 50 mil volts – cerca de um décimo disso é transferido para o corpo da vítima, o que já pode ser fatal.
Copa. Em estudo para ser usado na Copa de 2014, a Força Nacional ainda não sabe quanto custará aos cofres públicos a compra dos Tasers. / N.C eW.C